Entrevista a Raquel Vicente
Aqueles que acompanham o blogue há mais tempo sabem que, anteriormente, já tinha feito uma entrevista à Raquel na qualidade de escritora. Hoje, apresento-vos a Raquel empreendedora. Em fevereiro de 2020 abriu a sua editora, “Edições Velha Lenda”, e conta já com títulos como “Palestina Sobre Uma Tela” de André Ouro Verde e “Um Livro de Caca” de Francisco Ramalheira, este último, que praticamente vendeu a sua primeira edição durante a pré-venda. A “Velha Lenda” veio para ficar é uma editora que veio para ficar e de quem vamos ouvir falar muito nos próximos tempos. Fiquemos, então, a conhecer um pouco mais acerca da sua fundadora.
• Raquel estou curioso... Como foi construir uma editora totalmente de Raiz? De onde surgiu a ideia? Quais foram os maiores desafios?
Olá, Pedro. Obrigada pela gentileza do convite.
Bom... construir é uma palavra demasiado forte. Esta editora - ainda - é apenas um esboço! Pode-se dizer que tenho tanto de sonhadora como de teimosa. Amo literatura. E desejava fazer as coisas à minha maneira. Foram desta forma concebidas as Edições Velha Lenda: amor, sonhos e um terrível feitio. Dificuldades? Foram muitas. Desde ser uma novata, um peixinho-dourado, no mundo dos negócios que é um verdadeiro lago de tubarões, até ao económico da questão. Mas... quem corre por gosto não cansa.
Na verdade, não foi difícil (risos). Eu jogo sempre pelo seguro, nunca dou um passo maior que a perna. A editora ainda estava tão no começo que a grave situação pouco impacto teve. Sim, muito se atrasou. Mas nada de grave.
Foi o momento em que percebi: "Já está. Abri a minha editora". Foi o início da caminhada até ao sonho. Soube bem. Soube a realização. Finalmente estava a fazer algo de útil na vida.
Velha Lenda? Queria algo que cheirasse a pó e a livros. Que me lembrasse aqueles velhinhos das livrarias que tratavam cada obra como um tesouro. Queria sentir isso. E que outros sentissem isso. Segurança. Amor pela literatura.
O "Livre-se" é a Pimenta Século XXI. Uma piada que transforma o livro no verbo e, ao mesmo tempo, nos relembra uma velhinha de aldeia bastante zangada a guinchar "Livre-se de fazer isso!", ou talvez uma senhora da Linha de Cascais. Enfim, um bocadinho de sentido de humor. Ao mesmo tempo que exigimos às pessoas que se "livrem", de livros, também aplicamos uma ameaçazita; amor-livrólico do duro!
Estou farta de Velhos do Restelo! Há algum tempo li que "a jovem literatura portuguesa carece de qualidade". Tretas! Há um péssimo hábito em Portugal: espera-se que um jovem autor do Século XXI escreva como o Eça de Queiroz. Isto é absurdo. O mundo muda e com ele as necessidades do ser humano. Neste caso, os desejos do leitor. Muitos leitores dos dias de hoje não querem encontrar vinte páginas com descrições de uma casa, ou um capítulo sobre o cantar de um passarinho. Não que livros assim sejam maus, pelo contrário, mas para muitos tornam-se enfadonhos. Já os livros com mais acção ganharam uma popularidade assombrosa. E estes também não são maus, ou inferiores. São simplesmente diferentes.
Actualmente há uma grande procura por escritas e histórias modernas.
E isto para dizer o quê? Ao contrário do que dizem os Velhos do Restelo, há excelente literatura jovem no nosso país. Obras magníficas e autores empenhados. Não é por falta de qualidade que outras editoras não publicam o que é português. É por questões económicas.
Eu resolvi apostar no que é nosso e tem sido um humilde sucesso até agora.
Publicamos tradicionalmente. Tratamos o livro como é devido. E perdemos tempo a conhecer cada autor, o que é fundamental.
Era mais fácil publicar um best-seller estrangeiro? Era. E também era mais fácil vendê-lo. Mas eu defendo que tudo o que é português é melhor e, como sou teimosa, prefiro ter o dobro do trabalho e apostar no nacional.
É uma questão de ética e paixão.
Não sou ninguém para julgar ou comentar algo assim sobre o trabalho dos outros. Cada editora deve de seguir o que é melhor para o seu funcionamento. Só me foco no meu trabalho e em fazer dos livros das Edições Velha Lenda referências de qualidade.
Pretendo lançar de tudo. Aliás, já contamos com um autor espanhol na nossa lista. O meu lema é: publicar obras de qualidade. Claro está, a prioridade serão sempre os livros nacionais.
Penso que toda a pessoa que acha que a Literatura Portuguesa não presta, certamente, não lê o suficiente ou, então, é apenas um grande imbecil.
Houve um momento em que acreditei nisso. Mas agora, honestamente? Não acho que tenham qualquer culpa. As vanity serviram de bode expiatório para essa desgraça. Os culpados foram os leitores, que começaram a ler apenas títulos estrangeiros; e as pessoas sem noção da realidade, que não tendo qualquer vocação para a escrita resolveram, por mero capricho, publicar obras que são verdadeiros insultos à literatura.
É uma hipocrisia culpar um modelo de negócio por isso.
O descrédito é fruto da ignorância de duas facções: leitores imbecis e criaturas sem noção da realidade.
São maravilhosos e vendem bem.
Todos menos poesia.
Conseguir construir uma editora de sucesso e respeito.
O Pedro acabou de me chamar "menina de sonhos" na pergunta anterior. Também chamaria "menino de sonhos" a um homem?
A minha ambição é constantemente criticada, até inconscientemente. Sou a "menina de sonhos" para si. A "pirralha sem noção" para alguns. A "cabra arrogante" para muitos. Mas quase nunca sou uma "mulher forte" ou "pessoa de fibra". Porque não se espera que uma mulher arrisque e tome a dianteira. Porque não é bonito ou atraente. Só é bem visto se formos uma mulher de quarenta ou cinquenta anos, aí já existe certo respeito; ainda assim, pouco. A minha ambição vai ser sempre criticada. Agora que tenho 24 anos cospem nela. Quando tiver quarenta farão a mesma coisa. E sabe a razão? A minha ambição é infinita. Eu quero devorar o mundo. E isso... só é permitido aos homens.
Não acho, tenho a certeza. Em 2019 estive no Dia Mais Geek, em Penacova. Quando chegou o momento de falar sobre o tema do machismo na literatura, em especial na literatura fantástica, o escritor que dividia a sessão comigo (e com a autora MBarreto Condado) achou-se no direito de me interromper e leccionar sobre o assunto. Entenda-se: mansplaining. E tudo porque uma "autora, colega dele, tinha uma enorme base de fãs". Eu, mulher, autora de fantasia, com inúmeras experiências nas quais rejeitaram o meu livro por ser escrito por uma mulher, fui calada por um escritor homem que se achava profundo conhecedor do assunto.
No mercado literário o machismo existe em abundância.
Rasgar o machismo? É fácil. Eu tenho este mau hábito: acho sempre que aquilo que um homem faz, eu faço melhor.
Normalmente tento pôr isso em prática. Normalmente faço-o com sucesso.
Todas as senhoras deveriam de experimentar.
Não gosto de livros digitais. Só tenho isto a dizer.
Consumindo os seus livros. Lendo as histórias sem preconceitos. E repetindo: O que é português... é bom.
Nem eu sei! Incluem livros. Agora o que vou fazer... só o tempo o dirá!
Obrigada pelo convite, Pedro! Foi uma honra e um prazer!
• Raquel estou curioso... Como foi construir uma editora totalmente de Raiz? De onde surgiu a ideia? Quais foram os maiores desafios?
Olá, Pedro. Obrigada pela gentileza do convite.
Bom... construir é uma palavra demasiado forte. Esta editora - ainda - é apenas um esboço! Pode-se dizer que tenho tanto de sonhadora como de teimosa. Amo literatura. E desejava fazer as coisas à minha maneira. Foram desta forma concebidas as Edições Velha Lenda: amor, sonhos e um terrível feitio. Dificuldades? Foram muitas. Desde ser uma novata, um peixinho-dourado, no mundo dos negócios que é um verdadeiro lago de tubarões, até ao económico da questão. Mas... quem corre por gosto não cansa.
- Infelizmente o início da sua editora coincidiu com o início da pandemia do COVID-19. Como foi gerir um negócio acabado de nascer nesta altura?
Na verdade, não foi difícil (risos). Eu jogo sempre pelo seguro, nunca dou um passo maior que a perna. A editora ainda estava tão no começo que a grave situação pouco impacto teve. Sim, muito se atrasou. Mas nada de grave.
- Qual foi a sua primeira alegria?
Foi o momento em que percebi: "Já está. Abri a minha editora". Foi o início da caminhada até ao sonho. Soube bem. Soube a realização. Finalmente estava a fazer algo de útil na vida.
- Porque "Velha Lenda"? Porque "Livre-se"?
Velha Lenda? Queria algo que cheirasse a pó e a livros. Que me lembrasse aqueles velhinhos das livrarias que tratavam cada obra como um tesouro. Queria sentir isso. E que outros sentissem isso. Segurança. Amor pela literatura.
O "Livre-se" é a Pimenta Século XXI. Uma piada que transforma o livro no verbo e, ao mesmo tempo, nos relembra uma velhinha de aldeia bastante zangada a guinchar "Livre-se de fazer isso!", ou talvez uma senhora da Linha de Cascais. Enfim, um bocadinho de sentido de humor. Ao mesmo tempo que exigimos às pessoas que se "livrem", de livros, também aplicamos uma ameaçazita; amor-livrólico do duro!
- A sua editora insere-se no mercado de forma peculiar... Publica autores nacionais através da forma tradicional, o que é raro acontecer em Portugal. Qual foi o motivo disto?
Estou farta de Velhos do Restelo! Há algum tempo li que "a jovem literatura portuguesa carece de qualidade". Tretas! Há um péssimo hábito em Portugal: espera-se que um jovem autor do Século XXI escreva como o Eça de Queiroz. Isto é absurdo. O mundo muda e com ele as necessidades do ser humano. Neste caso, os desejos do leitor. Muitos leitores dos dias de hoje não querem encontrar vinte páginas com descrições de uma casa, ou um capítulo sobre o cantar de um passarinho. Não que livros assim sejam maus, pelo contrário, mas para muitos tornam-se enfadonhos. Já os livros com mais acção ganharam uma popularidade assombrosa. E estes também não são maus, ou inferiores. São simplesmente diferentes.
Actualmente há uma grande procura por escritas e histórias modernas.
E isto para dizer o quê? Ao contrário do que dizem os Velhos do Restelo, há excelente literatura jovem no nosso país. Obras magníficas e autores empenhados. Não é por falta de qualidade que outras editoras não publicam o que é português. É por questões económicas.
Eu resolvi apostar no que é nosso e tem sido um humilde sucesso até agora.
Publicamos tradicionalmente. Tratamos o livro como é devido. E perdemos tempo a conhecer cada autor, o que é fundamental.
Era mais fácil publicar um best-seller estrangeiro? Era. E também era mais fácil vendê-lo. Mas eu defendo que tudo o que é português é melhor e, como sou teimosa, prefiro ter o dobro do trabalho e apostar no nacional.
É uma questão de ética e paixão.
- Acha que as editoras hoje em dia estão mais preocupadas com o lucro do que com a qualidade dos seus livros?
Não sou ninguém para julgar ou comentar algo assim sobre o trabalho dos outros. Cada editora deve de seguir o que é melhor para o seu funcionamento. Só me foco no meu trabalho e em fazer dos livros das Edições Velha Lenda referências de qualidade.
- Pretende lançar títulos estrangeiros ou irá focar-se apenas em títulos nacionais?
Pretendo lançar de tudo. Aliás, já contamos com um autor espanhol na nossa lista. O meu lema é: publicar obras de qualidade. Claro está, a prioridade serão sempre os livros nacionais.
- Existem muitas pessoas que se recusam a ler autores portugueses e muitas consideram-nos inferiores aos estrangeiros. Sendo a Raquel uma escritora o que pensa sobre isto?
Penso que toda a pessoa que acha que a Literatura Portuguesa não presta, certamente, não lê o suficiente ou, então, é apenas um grande imbecil.
- Acha que as editoras "vanity" contribuiram para o descrédito de autores portugueses?
Houve um momento em que acreditei nisso. Mas agora, honestamente? Não acho que tenham qualquer culpa. As vanity serviram de bode expiatório para essa desgraça. Os culpados foram os leitores, que começaram a ler apenas títulos estrangeiros; e as pessoas sem noção da realidade, que não tendo qualquer vocação para a escrita resolveram, por mero capricho, publicar obras que são verdadeiros insultos à literatura.
É uma hipocrisia culpar um modelo de negócio por isso.
O descrédito é fruto da ignorância de duas facções: leitores imbecis e criaturas sem noção da realidade.
- Fale-me um pouco dos seus autores? Como estão a correr as suas vendas?
São maravilhosos e vendem bem.
- Quais são os géneros que procura neste momento para a sua editora?
Todos menos poesia.
- A Raquel é uma menina de sonhos. Quais são os seus a curto, médio e a longo prazo?
Conseguir construir uma editora de sucesso e respeito.
- Sentiu alguma vez que a sua ambição enquanto empreendedora foi muitas vezes críticada simplesmente pelo facto de ser uma mulher?
O Pedro acabou de me chamar "menina de sonhos" na pergunta anterior. Também chamaria "menino de sonhos" a um homem?
A minha ambição é constantemente criticada, até inconscientemente. Sou a "menina de sonhos" para si. A "pirralha sem noção" para alguns. A "cabra arrogante" para muitos. Mas quase nunca sou uma "mulher forte" ou "pessoa de fibra". Porque não se espera que uma mulher arrisque e tome a dianteira. Porque não é bonito ou atraente. Só é bem visto se formos uma mulher de quarenta ou cinquenta anos, aí já existe certo respeito; ainda assim, pouco. A minha ambição vai ser sempre criticada. Agora que tenho 24 anos cospem nela. Quando tiver quarenta farão a mesma coisa. E sabe a razão? A minha ambição é infinita. Eu quero devorar o mundo. E isso... só é permitido aos homens.
- Acha que o mercado literário ainda é muito machista? De que formas pretende "rasgar" esse paradigma?
Não acho, tenho a certeza. Em 2019 estive no Dia Mais Geek, em Penacova. Quando chegou o momento de falar sobre o tema do machismo na literatura, em especial na literatura fantástica, o escritor que dividia a sessão comigo (e com a autora MBarreto Condado) achou-se no direito de me interromper e leccionar sobre o assunto. Entenda-se: mansplaining. E tudo porque uma "autora, colega dele, tinha uma enorme base de fãs". Eu, mulher, autora de fantasia, com inúmeras experiências nas quais rejeitaram o meu livro por ser escrito por uma mulher, fui calada por um escritor homem que se achava profundo conhecedor do assunto.
No mercado literário o machismo existe em abundância.
Rasgar o machismo? É fácil. Eu tenho este mau hábito: acho sempre que aquilo que um homem faz, eu faço melhor.
Normalmente tento pôr isso em prática. Normalmente faço-o com sucesso.
Todas as senhoras deveriam de experimentar.
- O livro digital, apesar de estar em crescimento, ainda não é aceite por muitos. O que acha disso?
Não gosto de livros digitais. Só tenho isto a dizer.
- De que forma é que se podem ajudar autores nacionais?
Consumindo os seus livros. Lendo as histórias sem preconceitos. E repetindo: O que é português... é bom.
- Por fim, gostaria de saber quais são os seus planos para o fim deste ano e para 2021.
Nem eu sei! Incluem livros. Agora o que vou fazer... só o tempo o dirá!
- Obrigado por me ter cedido este seu tempo e entrevista! Que lhe corra tudo bem, Raquel!
Obrigada pelo convite, Pedro! Foi uma honra e um prazer!
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